A lua depois do gravador

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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

sábado, fevereiro 26, 2005

Sapatinhos de ferro

Você só queria dar umas voltas de carro com a sua nova amiga, quem sabe parar em algum lugar badalado para jogar um charme e arranjar uma boca para beijar, mas ela inventou de encontrar um amigo, um cara com o qual ela havia sumido por dois dias, estava em búzios mas disse para a chefe que ficara doente incomunicável no apartamento da mãe. Você foi com ela conhecer o amigo que estava com outro amigo e, por que não?, vocês foram parar em uma casa, um casarão maravilhoso com poucos móveis no meio do nada. Ela ficou com o amigo na cozinha, você subiu com o outro, ele era interessante apesar daquele sotaque, mole demais para um carioca, você não tinha paciência mas foi conhecer a casa e ouvir música. Mas quando percebeu ele estava nu totalmente sem roupa, vocês mal haviam trocado meia dúzia de beijos, podia fazer um monte de coisas mas dar para um cara que conhecia havia menos de uma hora e de quem só sabia o nome estava fora de cogitação, você disse, não, que incrível, você nunca diz não nessa hora, mas desceu as escadas feito cinderela assustada, segurou os sapatinhos com força nos pés e foi para o carro.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Verdades

Cena 1: Você está de frente para o espelho. Nessa hora não há máscaras, ninguém se engana. Você não precisa fingir superioridade. Não precisa mostrar inteligência nem sabedoria. Ninguém está a seu lado para contemplar. Você não precisa se exibir. Está só. Você revê os últimos desatinos, os desacertos que não têm conserto ou lógica. Você chora.
Cena 2: Você olha para o sol. Você pára de caminhar e examina firme o céu azul que se descortina sobre você. Você não está para brincadeiras. Lembra que é forte e está preparada para seguir o caminho que lhe está reservado. Você não quer ficar parada. Sabe que chegou a hora e ri, inebriada pelo calor. Você anda.
Cena 3: Você está diante de um livro. O livro é seu, é a sua vida, é a sua história. Você folheia as páginas como se não existisse mais, como se fosse de outro mundo. São muitas verdades. São tantos capítulos. Você se surpreende com muitas coisas.Você muda.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

As adolescentes

Ela não acreditou mas você saiu correndo atrás dela pela casa, fingiu que ia agarrá-la com a cara mais séria desse mundo, ela ria mas estava apavorada, você provocava, instigava segurando-a pelo vestido. Você fingiu que ia beijá-la, ela gritou mas não saiu do lugar e então você começou a rir, naquele tempo ainda não tinha coragem, naquele tempo você era uma ingênua, ela ficou decepcionada. O desejo se mantém irrealizado, mas você se pergunta o que aconteceria hoje, agora, assim de repente, no meio do nada, tantos anos depois.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Perdoa-me por me traíres

Você sabia, naquela noite ia trair seu marido, ele estava pedindo, você estava longe. A história começou a se anunciar quando você chegou para a reunião, o moço louro elegantíssimo no hall de entrada do prédio, os cabelos cacheados contrastavam com o ar sério, você ficou encantada, você pensou que ele te olhou com desprezo, mas foi só na sua imaginação, ele te olhou com tesão. Você não acreditou quando ele entrou sem bater no escritório, ele ficou surpreso e sorriu pra você, você apressou o assunto mas ele foi direto, esticou um bloco até você e escreveu, posso te ver mais tarde, você devolveu, why not, em letra de fôrma, ele colocou o endereço de um forró embaixo da sua resposta. Você queria mesmo conhecer a cidade, correu para comprar uma roupa nova, ele passou a noite falando do chefe que estava ganhando o mundo, você ficou admirada, ficou com vontade de entender de política, ele era tão entusiasmado. Você levou ele pro seu hotel sem cerimônia, sem vergonha, sem culpa, treparam bastante, não foi grande coisa mas você saiu de alma lavada, trair o marido sem necessidade não era tão difícil assim.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Novo olhar

Você custou a lembrar como haviam começado a se envolver, seus neurônios às vezes parecem realmente comprometidos, mas depois que a secretária avisou que ele estava na recepção, na porta do seu trabalho, eles funcionaram bem rápido. Você se deu conta do perigo e desceu correndo as escadas. Ele parecia não ter envelhecido nada, ainda tinha o corpo e os cabelos que lhe encantaram tantos anos antes, você lembrou que depois de vários dias de sedução vocês se beijaram num bar, durante um show, na frente de todo mundo, ele não devia mas era maluco. Você pensou nisso quando ele te entregou uma blusa, disse pra você não esquecer nunca dele, a blusa estava usada, suada, você ficou assustada. Então viu o olhar, o olhar tinha mudado, ele não era mais o mesmo homem, muita história tinha então se passado.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Mentiras pra lá e pra cá

Ela falou, alguém daí ligou pra cá, ele não entendeu nada, você foi firme, disse, não, não sei o que isso significa, de quem é esse telefone. Ninguém melhor do que você sabe que as coincidências ajudam o mundo a se mover mais suavemente, mas aqui estão misturados um pouco de omissão e mentira. Você sabe que ela não é somente uma conhecida da semana passada, ela é o passado, ela tem história. Você desconfiou, jogou e acertou, e agora tem que manter a mentira. Você não gosta mas sabe que é necessária, sabe que não há problema quando se quer fazer o bem. Você começa a recordar detalhes e então o remorso vai embora para sempre. Você é feliz, é isso que importa.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Roteiro adaptado

Vocês estavam numa festa e ele veio te apresentar, esse é um amigo meu, morou uns tempos lá no brasil, teve até uma namorada brasileira, mas não terminou a frase, porque você não se movia, ele também não se movia. Por um segundo a música parou, a festa acabou, a conversa perdeu a graça. Então ele deixara de ser músico, agora era cineasta, ganhava dinheiro com filmes de ação como o seu namorado, conhecia seu namorado, era amigo do seu namorado, disse ao seu namorado que havia comido uma brasileira como ele, os dois devem ter gargalhado e conversado sobre detalhes. Agora estava você ali no meio de dois amigos, duas histórias de sexo sem fronteiras. Então seu namorado desviou o olhar e você temeu pelo pior.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

NY

Você é cidadã do mundo aqui, ninguém conhece seu rosto, você dá informação na rua, anda no metrô sem mapa. Você gosta que seja assim, mais um entre os arranha-céus, mais um accent indefinido, um quê de afro-latino que se destaca no meio dos transeuntes apressados. Você se sente em casa, quer ficar embora o coração a chame de volta, seu coração sempre a chama de volta, você não é do tipo que se solta fácil de suas raízes.

Música na secretária eletrônica

Ele era um personagem e tanto, estava envolvido com uma socialite-cantora que diziam ser suspeita de um crime, ele cismou com você, ele era um ícone, ele ligava pra sua secretária eletrônica cantando clássicos da MPB, você achava graça, ele adorava tocar pra você pelo telefone, você tinha medo mas achava lindo, tinha seu disco autografado. Uma vez numa festa você falou dele numa roda de amigos, ele passou perto e ouviu, você morreu de vergonha, teve vontade de atravessar a rua correndo, inventou uma história, mas foi aí que ele passou a ligar todos os dias.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Hora errada

Você achou que estava na hora, embora a maioria das suas amigas fosse como você, mas duas ou três tinham as histórias mais escandalosas da escola e lhe davam a retaguarda. Você saiu com um cara que tinha o dobro da sua idade, um músico negro totalmente galinha, vocês se gostavam, era moderno ser assim. Você mentia para ir com ele ao baixo, passava noites com cazuza e bebel cantando na mesa ao lado e comendo pizza, você não bebia nem nada mas se achava. Nesse dia vocês saíram do leblon de táxi pra niemeyer, uma menor de idade num motel com um doido de macacão rosa e amarelo. Você ficou horrorizada, já tinha esse corpo e podia medir, era do tamanho do seu antebraço, custou para ser convencida. Ficaram muito tempo só de sacanagem, era bom e você sentia segura e confortável.

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

San Juan

Ele nasceu no mesmo dia mês e ano que você, porém, a uns cinco mil quilômetros acima. Ele não fala a sua língua, mas isso não importa. Ele caiu de joelhos, a mulher cheia de personalidade que habitava seus sonhos era você e você não sabia, e agora vocês estão um diante do outro boquiabertos, aquele olhar de durão que se dissolve num sorriso lindo e te deixa louca, aquele sotaque que te deixa louca. Ele te diz um monte de bobagens, não quer que você escape, e você tem medo, você diz, tenho medo, baixinho pra ele não ouvir mas ele ouve, ele sente que você não quer que ele escape cinco mil quilômetros, mas isso é apenas um caso uma possibilidade de beijo que vai durar uma semana, e ali, sentada no parapeito do rio vermelho, o que importa, a distância, a língua, o sorriso? Você não vai casar mas ele te quer lá, ele não deve estar raciocinando, ele é uma estrela, você é uma mãe de família. Não é razoável ter tanta culpa.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Abusada

Ele quer e pode, você não pode mas vai assim mesmo, você é assim mesmo, embora tenha que ouvir que tem cara de santa, você nunca foi santa, e agora no carro apertado você se lembra da sua adolescência, tudo lembra a sua adolescência, ele diz que tem medo de sofrer, você diz, faz parte, é que nem escolher entre andar de moto ou de carro, você pode dirigir um carro a 60 por hora e ter no máximo uns arranhõezinhos na lataria, ou então dirigir uma moto sem capacete sentindo o vento na cara, você vai cair em algumas esquinas mas vai ter a cidade a seus pés. Ele sorri e abre a calça, você vai se arrepender mas não volta atrás.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Sandro in Wonderland

Ele foi seu primeiro namorado, o mais doido, o desajustado, aquele que enlouquecia as meninas e assustava os pais, ele era louco e lindo e sedutor e naquele dia ele foi parar no lugar errado, ele levou uma bala perdida, ele não tinha culpa de nada, ele era lindo e sedutor e louco, mas ao invés de deitar no chão ele foi correr, foi correr pra perto da confusão, ele acabou pagando com a vida, ele não merecia, você não merecia, ele foi seu grande amor, ele mudou a sua vida, era pra você ser outra pessoa, você ficou com medo, ele era sedutor e louco e lindo, eles o tiraram com um sopro de vida e o largaram no meio da rua, não deu mais tempo, ele virou um corpo na multidão, ele virou estatística, ele virou uma foto 3x4 no jornal, ele virou notícia, seu menino deus, ele ia ser famoso e acabou virando vítima da cidade maravilhosa.

domingo, fevereiro 06, 2005

Sopa na madrugada

Ele era lindo, lindo, ele era liiiiiiiiiiiiiiiiiiiindo, e quando apareceu diante de você na mesa com aquele sorriso pedindo um favor você ficou muda e boba. Mas depois começou a seduzi-lo, e foram-se dias, e nesse meio tempo uma amiga avisou: ele é péssimo na cama. Mas ele era lindo e nada mais importava. E um belo dia ele estava sozinho e vocês tomaram uma sopa na madrugada e beberam demais e riram demais e foi tudo demais que você se lembrou da maysa, da billie holiday, você vivia meio assim mesmo, the end of a love affair, o próprio caso que acabou sem ao menos começar. E quando você acordou ele dormia ao seu lado na cama, as roupas percorriam o caminho até a porta da sala e você só lembrava da melodia de criminoso sutil na sua cabeça rodando. Ele acordou e vocês ficaram sem saber sem falar sem ao menos perguntar. Ele foi recolhendo as peças de roupa, as meias, as botas bem discretamente e você pensou: amiga é foda.

sábado, fevereiro 05, 2005

Você não merece esse homem

Você não merece esse homem capaz de comprar uma orquídea e ainda cuidar dela para você, para que ela não morra, para que nada morra. Você não merece esse homem que resolveu pendurar as chuteiras por você e cuidar só de você, você não acredita, diz que não acredita, mas no fundo sabe e adora. Você não merece esse homem que te compra uma bolsa verde-bandeira, um escarpin preto e branco, um belo chapéu de palha e uma calça toda bordada. Você não merece esse homem capaz de se jogar sobre você após o banho, de morrer de tesão por você, de largar tudo por você e de te amar sem parar. Você não merece esse homem que te faz comida, que te faz mais bonita, que te deu uma filha e que confia em você. Você não merece esse homem que te ama e te perdoa. Você não merece esse homem porque ele é igual a você, você também não presta, você também é imprevisível, você também quer muito, quer o mundo, quer ser feliz. Você não merece, mas pode, ele é seu, esta é a hora.

Uns

Ele te deu um beijo na boca e te disse, essa música é pra você, e quando você se deu conta tinha um refletor na sua cara e ele cantou e era qualquer coisa e depois ele te beijou te chamou de querida. Mas quando você foi à casa dele não conseguiu falar, ficou muda, uma outra pessoa, diferente daquele mulherão de terno e gravata e boina com estrelinha de strass e salto alto e boca vermelha e o cabelão, então um escândalo. Você fazia realmente sucesso.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Almas

Ele estava apaixonado, uma criança de dez anos sonhando acordada com você, aquela que satisfazia aos desejos terrenos do tio dele. E também assim no sonho do banheiro, na ilusão de criança, fazia-lhe companhia, tratava seus caprichos de menino. De um lado o carrinho, do outro o joystick, na cabeça o capacete do jaspion, a coleção de playmobil a seus pés. Por dentro a musa erótica de chicotinho e cinta-liga. Os sonhos eram velados, as revistas não eram lacradas. Ele trocava rostos pensava em peitos via pernas descobertas o braço do tio envolvendo as costas da musa adorada. Um amor razoável pra idade. Aos dez anos os sonhos são possíveis, os encantos são prováveis.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Singin' in the rain

Vocês saíram no meio do filme, ficou todo mundo olhando, afinal era uma sessão cheia de gente badalada, ele era o badalado, aquele que dava tiro e porrada. Mas depois daquela cena de sexo não deu para resistir mais, tudo o que você evitara, tudo o que você queria deixar para lá, tudo o que sonhara mas não queria viver. Então vocês não agüentaram e resolveram encarar de frente, uma situação inadiável, o resto do cinema vazio e todos os olhares voltados para a tela, vocês entraram em uma salinha cheia de latas de filme, estava silencioso e você não ligou pro cheiro de mofo, ele abriu as calças, ele te beijou onde pôde, ele te comeu de um jeito que você não compreendia, com paixão e fúria, com tesão e segurança, ele te olhou como se não acreditasse e te abraçou, você sentiu aqueles braços fortes nas suas costas, na sua cintura, você sentia tudo toda, era dele. Depois vocês voltaram para a sala, de repente o filme era outro, dois apaixonados, chovia em paris e vocês cantavam no barco debaixo do guarda-chuva, ele disse baixinho, nunca mais vou ser solteiro na vida.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Invasão de privacidade

Ele acabou o exame e falou, você está ótima, e depois, você está linda, e então tirou seu roupão ali na maca e começou a te beijar e a falar coisas que um médico não diria. Você pensou, não é possível a que ponto chegamos, será possível acontecer assim aqui no meio do ambiente de trabalho? Mas quem é você, que já trepou às sete da noite no seu próprio local de trabalho, a dois passos dos funcionários pegando o elevador, mas ali no consultório médico era diferente, você era a paciente, e não aquela mulher disposta a tudo por um amor.