A lua depois do gravador

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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Fim

Ele não te suporta mais, você se agarra a um resto de esperança, fruto do amor plantado há tantos anos, resigna-se a viver assim, ruim com ele, pior sem ele. Você que já foi a musa inspiradora, era tudo no céu e na terra, hoje ele te olha como se você não fosse nada, você não precisa dele mas prefere viver assim, como se não existisse, como se fosse mais um objeto decorativo sobre o móvel, daqueles sem utilidade, dos quais só se nota a presença física no dia-a-dia quando se esbarra e ele cai e quebra.

sábado, janeiro 21, 2006

Crise de 1/3 de idade

Vocês iam trabalhar, ele chegou com aquela cara, talvez seu filho se você tivesse sido mãe aos 14 anos como sua amiga da escola. Ele não te tratou como tia mas como colega, você ficou encantada. Vocês falaram de trabalho e ele ficou seduzido, ele não sabia nada e você foi fazendo barba, cabelo e bigode aos pouquinhos. Suas tatuagens e suas gírias chamaram atenção, você não passava de uma mãe preocupada com o dia-a-dia da escola mas eis ali uma louca de pantalona roxa e top laranja que escreve coisas lindas. Por um segundo você se anima, lembra do paciente que fazia terapia no horário antes do seu, você se fazia de problemática mas irresistível, e depois de tanto dar boa tarde vocês se beijaram, era festa de integração, vocês se integraram, transaram loucamente no banheiro. Mas você também lembra da artesã que conheceu no sul da bahia, uma mulher alegre mas sofrida, que com dois anos menos que você parecia mais velha que a sua mãe. Você fica deprimida e diz a ele que vai mandar o resto do texto via e-mail.

terça-feira, janeiro 17, 2006

A despedida dos anéis

Vocês não iam usar alianças, você sempre dizia que para a finalidade à qual elas se destinavam prioritariamente não valeria nada, afinal, vocês dois usavam alianças, por sinal idênticas e da mesma loja, quando se apaixonaram. Uma delas virou brinco; a outra reina, esquecida, no porta-jóias, à espera de novo destino. Mas então vieram os filhos, os anos e tudo ficou mais forte. Vocês pensaram, esta é a hora. Então dividiram o mesmo par de argolas nas orelhas, depois fizeram a mesma tatuagem, e um dia optaram por um par de alianças meio tortas, inesquecíveis, extravagantes, como o amor que sonharam e puderam. Você se assusta, vai tirar o anel que ganhou aos 15 anos, quem sabe para sempre.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Resposta

Você era muito sedutora, chamava atenção e marcava presença, embora não fosse particularmente bonita, tinha uma boca carnuda, um sorriso escandaloso, uma inteligência especial. Era difícil entender aquele casamento, apesar de combinarem intelectualmente, era visível seu sofrimento ao lado de um homem sem ambição, por vezes violento, com ciúme doentio e que não perdia nenhuma chance de menosprezar seu talento. Você não o amava mais e não admitia, é mais difícil com a rotina, muita coisa para desmontar e dividir, muita gente envolvida, sonhos e expectativas quebrados. Você fugia dele todas as noites, ele podia comer todas as vagabundas no trabalho mas só queria você, você não se importava mais, enquanto ele se masturbava na banheira você trepava com outro homem, você se apaixonou por outro homem, estava escrito desde sempre, desde quando você estava na escola e passava de carro pelo prédio onde tudo aconteceria ao cair da tarde, você dizia desde sempre que queria estar ali, você sabia que ali estava um pedaço da sua vida, te esperando para ser feliz. Você não podia mais viver mentindo, não podia mais viver dessa forma, com culpa e medo, então você disse a ele para arrumar as coisas e ir embora, teve medo de dizer com palavras mas ele entendeu, foi embora sofrendo calado, depois fez um escândalo, jogou teu nome na lama, gritou para quem quisesse ouvir. Cada um tem seu jeito de desabafar, de procurar consolo e vingança, ele publicou um anúncio, criou um duelo imaginário, uma sedução impossível, dois traídos por um amor de quem poucos esperavam mais do que nada. A vida é assim, não se pode diminuir a dor de quem não alcança a estrada.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Garoa em volume máximo

Chovia em são paulo, chovia demais, era um dilúvio, você foi para a bienal e à noite não deu para sair porque a cidade parecia que ia desabar. Você acabou o sábado na casa da sua amiga diante da lareira, debaixo do céu plúmbeo, fumou depois de tantos anos, você se sentiu estranha, muito diferente, teve vontade de rir como quando era adolescente e tentava disfarçar e piorava as coisas, quando dizia frases que não tinham a ver com o contexto, ou quando fungava sem parar, ou quando saboreou um ac e pegou um ônibus para petrópolis. Naquele tempo você fazia coisas loucas, você mal conhecia a cidade, quase vomitou na estrada, saltou em um bar qualquer e pela primeira vez viu o tempo parar e a parede mexer como diziam e você não acreditava. São paulo se inundava e sua mãe ligava a cada cinco minutos, sua filha estava com febre e não havia como voar para fora da cidade.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O jogo dos sete anos

Você sente saudades dos cartões, da poesia, dos recados cheios de paixão deixados na secretária eletrônica e no velho bip, amor que começava a se mostrar em toda a sua plenitude. Então se consolida mas não perde a flama, ao contrário; é vida, é força, é amor de verdade, eterno porque intenso, eterno porque fundamental, eterno porque se transforma, se multiplica, vira filho, vira livro, vira canção grudada na pele. Vocês renascem ainda, sempre, estão saindo dos ciclos que se complementam e se entrecruzam, com crises, histórias, sonhos e enganos. Vocês estão prontos, estão livres e querem assim. São desse jeito, da mesma semente, da mesma terra, do mesmo fogo, do mesmo ar, da mesma água. São iguais e tão diferentes. Precisam plantar, beijar, viver como nunca. Que seja simples, nunca banal; bom, mágico, lírico, inexplicável. Como souberem e puderem.