A lua depois do gravador

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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

sábado, abril 30, 2005

Dias dos namorados

Aquele menino esquisito da sua adolescência que te olhava como se você fosse nada, afinal você era amiga da irmã caçula dele, então devia ser um saco, e ainda por cima nem curtia rock pesado, virou um homem cheio de sorrisos educados, sorrisos demais pra você. Vocês conversaram a tarde toda como se toda a vida fossem amigos, e depois de recordarem os tempos que não existiram vocês foram a uma boate da moda e dançaram tanto que foram colando os pés as mãos o ventre o rosto a boca, nada se soltava, e o que teriam sido dias de cerveja e rosas em são paulo transformaram-se em dias dos namorados subindo e descendo ruas de moto, descendo e subindo escadas até o quarto a cama o capô do carro o elevador, o que podia ser e não foi justamente vocês dois depois.

quinta-feira, abril 21, 2005

Fuga nº 1

Você não é dondoca, e sentada na salinha da concessionária com os homens engravatados que aguardam seus carrões potentes você se sente ainda mais diferente, mas o pior é quando chegam as peruas que vão começar a trabalhar na agência, de calças coladas e saltões, sutiãs vermelhos sob blusas pretas, cabelos longuíssimos pintados. Você se sente fora do contexto, detesta aquela conversa idiota, tem vontade de gritar, sua alma entra em desespero. Então você lembra de quando foi de biquíni, shorts e chinelos com seu namorado ao cine coral ver filme de sacanagem, você ficou com medo diante daquele monte de homens solitários, ficou imaginando se seu namorado poderia te defender de qualquer coisa. Mas agora é pior, no cinema ao menos tinha algo interessante na tela, a futilidade vazia te enoja, não tem escapatória e ninguém pode te defender.

quinta-feira, abril 14, 2005

Atriz de cinema

Você topou escrever para teatro embora a linguagem fosse incompreensível. Uma coisa é ter uma história, mas daí a separar o que é teatro do que não é teatro como eles andavam fazendo e dizendo pelos cantos faltava muito. Um chocolate com torrada petrópolis no lamas não bastou e a conversa foi ficando esquisita. Seu diretor quase virou amante, vocês quase tiveram um caso de amor. O cenário era convidativo: o apartamento vazio debruçado sobre a baía de guanabara iluminada lembrava mesmo eu te amo. Então vocês conversaram, ouviram música, tomaram banho, dormiram abraçados. Não era teatro, e sim cinema. Você chorou com uma rosa vermelha na mão feito atriz de filme de almodóvar. Começava ali o segundo ato da sua vida.

domingo, abril 10, 2005

Dentro d´água

Deitada na banheira em um quarto de hotel, sozinha em salvador, você rememora sua vida e sorri, não é como um filme, mas você lembra que já esteve nesta cidade com marido, lembra que está submersa na água quente feito um quase-parente distante famoso, como tantos que você conheceu e nunca mais viu ou só conheceu pelas cartas, pelos livros, pelas fotografias emolduradas no seu quarto que a sua filha tanto gosta, você lembra que precisa separar as fotos da turma da escola, lá se vão 25 anos e vocês estão pouco a pouco se reencontrando virtualmente, lembra de quando quase transou com um dos amigos, não rolou não porque ele era amigo, afinal ninguém transa com inimigo, nem por causa da sua melhor amiga que te perdoou depois, mas porque naquela época você ainda era virgem e fingia, fingia que não era, fingia que sabia tudo, fingia que já podia encarar um relacionamento confuso, na banheira você ri e começa a transpirar, nervosa, excitada, feliz e saudosa, lembra dos motéis baratos que freqüentava e de quando entrou na suíte presidencial de um cinco estrelas ocupado por um príncipe árabe, sua vida não é brincadeira, lembra de como imaginava sua banheira com deque de madeira e vista para as montanhas e de quando escrevia poemas, de quando seduzia com poemas, de quando escrevia por minuto. Seu esforço na banheira é para não virar uma burocrata de papel e caneta, com hora marcada e sono na madrugada.