A lua depois do gravador

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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

sexta-feira, maio 27, 2005

A perua está certa

Você contou os trocados e ficou esperando o frentista ligar a bomba, depois olhou pro lado e lá estava ela enchendo o tanque de um carrão importado, o mesmo vestido branco colado e decotado, os mesmos cabelos pretos compridos e escovados, os olhos azuis de lentes de contato, boca vermelha, brincos extravagantes. Você lembrou de quando ela chegou recomendada, prestativa, amicíssima, fingindo discrição. Uma vítima obrigada a viver com o marido violento por causa dos filhos. Não demorou muito para ela receber flores de clientes, brigar com os colegas, devorar o namorado de uma das chefes e criar boas histórias de sua passagem-relâmpago pelo departamento. Ela te viu e mandou um beijo, só faltou dar o cartão e te oferecer trabalho. Você também mandou um beijo, e não foi um beijo falso. Você hoje sabe o que é ser sobrevivente nessa vida.

sábado, maio 21, 2005

Moça massa

Ela lhe parecia familiar e você disse, te conheço de algum lugar, mas vocês não se esforçaram muito e, após conversarem bem rápido sobre onde haviam trabalhado e onde moravam agora, ela deixou pra lá. Você não, você ficou impressionada com a fisionomia, pensou na faculdade e achou que ela poderia ser passageira de 15 anos atrás, mas só depois de uma hora lembrou daquele rosto, que não era o dela, mas de alguém que lhe marcara muito, alguém que era muito diferente, alguém que gritava por socorro e ninguém ouvia, alguém muito especial que um dia achou melhor voar janela abaixo e pousar espetacularmente sobre um parque de diversões.

segunda-feira, maio 16, 2005

Sonho na praia

Então foi assim: vocês estavam numa praia no sul da frança, como na viagem dos seus sonhos, e depois de um passeio de carro lá estavam todos à beira-mar, um pouco de frio, a praia vazia, sua filha de vestido preto brincava na areia, mergulhava os cabelos na água, misturava areia e sal e espuma nos fios compridos jogados pra baixo e pra cima, os cabelos se perdiam, lambiam o mar com prazer, ela ria, todos admirando aquele momento mágico. Você chegou de camisa branca e chapéu, os cabelos voando ao vento, sorridente, belíssima, a mulher quase famosa ia dar uma entrevista, ali na areia da praia no sul da frança, era ali que você morava, era assim que sua alma vivia, um passeio na praia banal como pão com goiabada, você lembrou das tardes cinzentas do rio e chorou.

quarta-feira, maio 11, 2005

O garoto do adeus

O marido foi embora e ela tinha um barrigão desse tamanhão mas, pouco antes do bebê nascer, ele voltou, deixou a outra pra lá, e quando ele partiu pela terceira vez e a crise estava braba, você lembrou dessa história da primeira vez e ela disse, isso nunca aconteceu. Você se sentiu uma louca uma intrusa uma fofoqueira, disse, acho que sonhei, que entendi mal. Ou foi ela que resolveu apagar essa história de sua vida para sempre, pensou. Que bonito isso de querer preservar o homem que se ama, afinal, alguém tem que melhorar a própria biografia. Ela diz que não mas o rosto diz sim, o corpo diz mais ou menos mas os olhos dizem talvez. É assim a vida de uma mulher apaixonada. Ainda teve a quarta vez, mas isso é outra história.