A lua depois do gravador

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Local: Rio de Janeiro, RJ, Brazil

sexta-feira, março 31, 2006

7 cocadas

Você precisava de sete cocadas para cobrir um texto escrito a lápis numa folha de caderno, mas já eram oito da noite e não se achava mais cocada num domingo. Até que você se lembrou do velho sheik. Com aquelas cocadas de primeira realmente nem precisava de tanta fé, eram tão grandes que duas delas já cobriam a folha de papel. O pior vinha depois, você e sua prima no jardim, os mendigos loucos para você acabar logo a sua parte para poder devorar os doces famosos. Você mal acendeu as velas e correu pro carro. Pelo menos conseguiu segurar o homem.

sexta-feira, março 24, 2006

Fotografia

Às vezes você olha pelo vidro da varanda e tem a sensação de que alguém está ali a te espionar. Como uma vez, em outro tempo, outro lugar, você ficava no escuro vendo a cidade do alto, ouvindo música sobre as luzes que envolviam a praia, e sabia, ele estava ali, seu rosto atrás do vidro, você via o vulto, era ele com um semblante aliviado por te ver inteira, num momento em que você vivia tudo o que fosse impossível e demais. Depois daquele dia, você passou a buscá-lo através dos vidros de todas as janelas, todas as noites, todas as cidades, mas não conseguiu mais vê-lo senão na última fotografia.

sábado, março 18, 2006

Cada um com seu calendário

Você estava cansada de esperar, nada acontecia, queria que os relógios fossem adiantados logo, muito mais do que nos horários de verão, muito mais do que em qualquer calendário enlouquecido, queria estar logo com ele de novo. Então ele te ligou, você adorou, pausa para ouvir aquela voz quente e macia que dava calafrios por todo o seu corpo, ele começou a descrever a organização da livraria, a disposição dos livros, que a cidade era linda e que a seção de poesia ia ficar muito bem perto da de gastronomia e que você ficava muito bem de blusa azul. Então você gelou, ele estava ali, você não queria mais que o tempo corresse, você já sabia que nada era para sempre, você só queria parar o mundo para enlouquecer devagarinho ao lado dele.

segunda-feira, março 13, 2006

O cachorro e o lobo

Então ele escreveu que você era fria para ele e quente para os outros. Que belo cafajeste, um corno confesso. Pois até as mesas dos computadores sabiam o quanto você amava sofregamente vorazmente deliciosamente após o expediente, quando todas as luzes se quedavam e o prédio perdia parte de sua força para ganhar em poesia. Era aí que entrava você, uma gueixa de luxo entre lápis e folhas de paica, a musa inacessível que se transformava em mulher de carne e osso e desejos incessantes.

quinta-feira, março 02, 2006

Você de novo (Moça verde)

Ela estava começando a amar, ela estava começando a viver, vocês estavam próximas mas nem tanto, afinal, quando você perdeu a virgindade ela estava no jardim de infância, mas agora vocês eram amigas embora não soubessem, ela era você ontem, o mesmo jeito de contestar e de buscar e de instigar e de ser sozinha no mundo. Ela ainda não sabia de muitas coisas, como custava ser sozinha no mundo, como funcionava um casamento de verdade, como se sofria por saudades, como se largava tudo por um amor, como se transava sem camisinha, como eram as novelas antigas, as histórias em preto e branco, as trilhas em vinil arranhado, as cartas batidas a máquina. Mas ela era livre como você. Vocês não entendiam mas se admiravam.