Correspondência

Ninguém mais escreve cartas, você constata entristecida quando alguém cita com graça sua antiga carta de amor do jardim de infância guardada como relíquia de um tempo que já não existe e com um quê de deboche, afinal você não lembra do conteúdo e fica constrangida, na verdade você se esforça para esquecer, suas cartas já causaram tanta confusão, de um lado é bom que primeiro o telefone e depois a internet tenham sepultado de vez a poesia das grandes revelações escritas, o e-mail é para ser deletado, você já se arrependeu de quantas linhas desperdiçou durante arroubos de paixão, depressão e fúria. Você folheia com nostalgia os papéis de carta que restaram de sua coleção na adolescência, os pequenos bilhetes que ainda guarda, a correspondência que trocava com a prima que morou pelo país afora, era um tempo em que a carta tinha valor e você escrevia até o que não podia ser dito. Hoje também não há curso de datilografia, é patético ver os informatas catando milho para alcançar a tecnologia. Você usa cadernos para listas de compras, de convidados para festas infantis, de livros que precisa ler com urgência. Você não quer mais mudar o mundo.